quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Aos Túmulos

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AOS TUMULOS

Pobre, grosseiro, não numeroso,
que importa isso? Para pregar as
tábuas de um ataúde qualquer pequena força basta.
- ALEXANDRE HERCULANO.

Aos tumulos, aos tumulos, minh'harpa!
Choremos sôbre a lapida esquecida
                    Dos homens que já foram.
O ceu acceita o pranto dos pequenos.
Não te acobardes, não. Vamos, minh'harpa,
Depôr tambem na lousa dos finados,
Como a viuva, um obolo mesquinho,
Mesquinho só na terra. Além das nuvens
Um thesouro se torna aos pès do Eterno.
Tua missão, minh'harpa, é grande, é grande:
                    — Sagremo'-nos á morte.
Aos tumulos, aos tumulos, minh'harpa!

Da grimpa do mosteiro atrôa o bronze,
E de funebres sons os ares pejam,
Como a tremenda voz da eternidade,
Que as nuvens baixa, e perde-se no immenso.
Bem!—este som diz—morte!—e apraz aos tristes,
Apraz a nós, minh'harpa!
Não te assuste, por tanto, a voz amiga,
Que ha de chorar por nós, mau grado aos vivos,
                    Quando não formos mais !
Tua missão, minh'harpa, é grande, é grande:
                    — Sagremo'-nos á morte.
Aos tumulos, aos tumulos, minh'harpa!

Pobre instrumento,— as tuas aureas cordas,
Onde pulsavas o prazer e a vida,
Estalaram por si! — Estas que sobram
Sejam sagradas á tristeza e ao lucto.
Maguas somente restam-te. Immudece,
Ou canta, soluçando, as maguas mesmas.
Estás cançada de chorar tam joven ?
Já não sam tua essencia às grandes dores,
                    Teu alimento as lagrymas ?
Tua missão, minh'harpa, é grande, é grande:
                    — Sagremo'-nos á morte.
Aos tumulos, aos tumulos, minh'harpa!

Não vês aqui este sepulchro aberto,
Corno si a terra se estivesse rindo,
                    Para abraçar seus filhos ?
Vamo'-nos junctos debruçar sôbr'elle.
Nossos primeiros paes, cheios de susto,
Templos aos manes levantaram quasi.
Tinham razão, talvez. Christãos mais sabios
Amemos com recato a tumba ao menos,
Tua missão, minh'harpa, é grande, é grande:
                    — Sagremo'-nos á morte.
Aos tumulos, aos tumulos, minh'harpa!

Assim, minh'harpa, a nossa vida inteira
Deveramos passar, cantando em threnos
Esse jazigo, onde se esconde a ossada
                    Dos seculos que passam.
Aqui também na podridão, nos vermes
Ha de o futuro em esqueleto immenso
                    Cahir, esvaecer-se.
Aqui tambem inspirações se bebem
                    No halito dos mortos.
Aqui se incontra inexgotavel messe
                    De solidas ideas.
Tua missão, minh'harpa, é grande, é grande:
                    — Sagremo'-nos á morte.
Aos tumulos, aos tumulos, minh'harpa !

Sim: fiquemos aqui.— Aquelle arbusto,
Que das frestas da lapida desponta,
Nasceu talvez do peito de um cadaver.
A seiva humana em suas hasteas corre.
Aquella flor inda transpira sanie.
Lá para o meio da soidão nocturna
Talvez falle do ceu, talvez do inferno.
Sim: fiquemos aqui. D'aquellas folhas
Talvez saia uma voz preciza ao mundo,
Talvez algum recato aos vivos traga,
                    Talvez de nós careçam.
Sim: fiquemos aqui soturnos ambos.
                    Esperando seu brado.
Tua missão, minh'harpa, é grande, é grande:
                    — Sagremo'-nos á morte.
Aos tumulos, aos tumulos, minh'harpa!

Não te apavore o aspecto das tumbas.
Esta bocca sarcóphaga que a terra
Aqui a nossos pés abriu medonha
                    Não é para ingolir-nos.
O nosso calix de abundantes dores
                    Não transbordou ainda.
Tua missão, minh'harpa, é grande, é grande:
                    Sagremo'-nos á morte.
Aos tumulos, aos tumulos, minh'harpa!

- Junqueira Freire
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About Edmundo_Noir
Sommelier de anime, profeta do IApocalipse, missionário do chá e webteólogo. Pedalando entre ruínas.

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