Acerca da morte, ensina o filósofo tomista Sidney Silveira em seu livro Cosmogonia da Desordem (259-260):
A morte dita natural é a derradeira insubordinação das potências vegetativas contra todas as demais potências da alma. Ela demarca, no homem, o limite da ação do espírito sobre a matéria, visto não termos total domínio sobre o que, ao operar em nós, independe da vontade e da inteligência – para o bem ou para o mal: seja a circulação do sangue, seja um câncer que avança imparável, seja a digestão dos alimentos, seja uma tuberculose. Trata-se, pois, da derrota da natureza humana naquilo que tem de mais elevado e por cujo intermédio se manifesta, de maneira clara, o nosso anseio por perdurar.
Morrer, no caso humano, é uma fatalidade metafísica em que o apetite entitativo mais radical – perdurar no ser com a mesma forma, existir – é irremediavelmente destruído. Não por outro motivo, toda morte é, num certo sentido, antinatural, ou melhor: é natural com relação ao corpo, mas não com relação ao princípio imaterial que o anima. Em síntese, nada tende ao seu contrário, pois cada coisa apetece o que lhe é conveniente; noutras palavras, toda potência tende ao ato para o qual está teleologicamente vertida.
Na vida o natural é viver, e não morrer. Por isso não deixa de ser irônico que, na morte dita natural, o espírito sucumba àquilo que, ontologicamente, é de dignidade inferior no homem: as potências vegetativas. Assim, mais do que a finitude, a morte revela o fato de o espírito humano não ter poder absoluto nem mesmo com relação à matéria que ele próprio anima.
