quinta-feira, 19 de junho de 2025

Que razão teve Deus para permitir a idolatria no mundo?

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Em sermão pregado em 1645, na Igreja de Santa Engrácia, ensina o Pe. Antônio Vieira:
Aos argumentos dos gentios prometeu a razão que responderia com as suas fábu­las; e por que não pareça pouco sólido este novo modo de responder, ouçamos primeiro a Tertuliano. Argumentando contra a gentilidade, Tertuliano, no seu Apologético, disse que as fábulas dos gentios faziam mais críveis os mistérios dos cristãos. Parece proposição dificultosa, porque as fábulas dos gentios são mentiras, são fingimentos; os mistérios dos cristãos são verdades infalíveis: como logo pode ser que a mentira acrescente crédito à verdade? O mesmo Tertuliano se explicou com o juízo que costuma: Fideliora sunt nostra, magisque credendo, quorum imagines quoque fidem inventeront. As fábulas dos gentios, se bem se consideram, são uns arremedos, são umas semelhanças, são umas imagens ou imaginações dos mistérios dos cristãos. E se os gentios deram fé ao arremedado so­mente dos nossos mistérios, por que a não hão de dar ao verdadeiro deles? Se creram e adoraram os retratos, por que hão de duvidar a crença e negar a adoração aos originais? Fideliora, magisque credendo, quorum imagines quo que filem invenerunt. Com a sua mesma idolatria está convencendo a razão aos gentios para que não possam negar a fé, porque nenhuma coisa lhes propõe tão dificultosa de crer a fé, que eles a não tenham já concedido e confessado nas suas fábulas. Daqui se entenderá a razão e providência altís­sima que Deus teve, para permitir a idolatria no mundo. E qual foi? Para que a mesma idolatria abrisse o caminho à fé e facilitasse no entendimento dos homens a crença de tão altos e tão secretos mistérios, como os que Deus tinha guardado para a lei da graça. Assim como Deus neste mundo criou um homem para pai de todos os homens, que foi Adão, assim fez outro homem para pai de todos os crentes, que foi Abraão. A um deu o primado da natureza, a outro a primazia da fé. Mas esse mesmo Abraão, se bem lhe examinarmos a vida, acharemos que antes de crer no verdadeiro Deus, foi idólatra: TharepaterAbrahae, et Nachor, servieruntque dus alienis. Pois idólatra Abraão, que há de ser pai de todos os crentes? Sim, e por isso mesmo. Permitiu Deus que o pai da fé fosse filho da idolatria, porque a idolatria é degrau e sucessão para a fé. A porta da fé é a credulidade, como dizem os teólogos, porque antes de uma coisa ser crida, há de julgar o entendimento que é crível. E isto é o que fez a idolatria no mundo, vindo diante da fé. A idolatria semeou a credibili­dade, e a fé colheu a crença; a idolatria, com as fábulas, começou a fazer os gentios crédulos, e a fé, com os mistérios acabou de os fazer crentes. Como a fé é crença de coisas verdadeiras e dificultosas, a idolatria facilitou o dificultoso, e logo a fé introduziu o verda­deiro. As repugnâncias que tem a fé, e o grande, o árduo, o escuro, e o sobrenatural dos mistérios: crer o que não vejo, e confessar o que não entendo. E estas repugnâncias já a idolatria as tinha vencido nas fábulas, quando a fé as convenceu nos mistérios.
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About Edmundo_Noir
Sommelier de anime, profeta do IApocalipse, missionário do chá e webteólogo. Pedalando entre ruínas.

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