Escreve o filósofo Sidney Silveira em seu Cosmogonia da Desordem (p.301):
Muitas vezes as pessoas só tomam pé das idéias errôneas que defendem quando deparam com situações limítrofes. Quando deparam com urgências inarredáveis. Quando deparam com situações existenciais dolorosas. Então conseguem extrair corolários acertados das premissas de que antes partiam, pois são fulminadas pelas evidências. Nestes casos, ou permanecem cegamente obstinadas e se perdem para o bem e para a verdade, ou, purgando os seus erros, revêem – não sem sofrimento – os falsos princípios em que haviam atolado a própria vida. Thomas More, embora não tivesse tido tempo de abjurar a Utopia que escreveu, deu durante o seu julgamento um exemplo de que o bem espiritual comum deve prevalecer sobre todos os demaisConsiderar Thomas More, como fazem católicos liberais, uma espécie de modelo de defesa da consciência individual contra o poder tirânico do Estado é um absurdo. Em primeiro lugar porque as idéias pelas quais ele foi condenado e martirizado sob Henrique VIII não eram propriamente suas, mas doutrinas proclamadas solenemente pela Igreja desde, no mínimo, Bonifácio VIII. Não foi, portanto, a liberdade individual o que ele defendeu com o seu sangue, mas a primazia das leis da Igreja sobre todas as consciências individuais. Não se tratava de uma defesa da liberdade da pessoa frente ao poder político, como afirmou o Papa João Paulo II no Motu Proprio pelo qual proclamou More como “patrono dos governantes e políticos”, mas de uma defesa da verdade cristã, católica e apostólica, contra os abusos de um tirano ensandecido por seus próprios crimes.
