Ensina Romano Guardini em seu livro O Espírito da Liturgia (p.60-61):
Quando oramos por nos mesmos, é todo o particularismo de nossa natureza que se eleva a Deus e se formula em nossos lábios através nosso temperamento e experiência pessoais. É um direito que nos assiste e a Igreja seria a última a nô-lo contestar. Numa oração desse tipo, vivemos nossa própria vida, estamos como que a sós com Deus. Ele como que se volta para cada um, e cada qual pode aqui chamá-lo “seu Deus”. Pois é precisamente nisso que está a infinita riqueza de Deus; o fato de Ele poder ser o Deus de cada qual, novo para cada qual, pertencendo a cada um de um modo diferente do de outrem. A linguagem em que lhe falamos se nos ajusta inteiramente e só exprime o que nos diz respeito. Devemos empregá-la sem escrúpulos, pois Deus a compreende e ninguém senão Ele tem necessidade de compreendê-la.Entretanto não somos apenas indivíduos, pertencemos a uma comunidade; nossa vida não deve ser considerada apenas como “história”, pois algo dela pertence ao plano do extratemporal e é isto que se integra na liturgia como seu domínio. Nela oramos como membros da Igreja; nela atingimos o Reino, que fica acima do indivíduo, e que, estando acima de todos, é acessível a todos os temperamentos, a todas as épocas e lugares. Somente o estilo da liturgia corresponde a essa ordem de coisas, pela sua universalidade, objetividade e limpidez. Pois outra forma de oração, originária de disposições puramente individuais, tornar-se-ia inacessível a todo aquele que não possuísse uma idêntica estrutura d’alma. Só um estilo de vida e de pensamento verdadeiramente católico, isto é, universal e objetivo, poderá ser adotado por qualquer um sem dano. Isto não se faz sem sacrifício. Cada um de nós terá de se constranger, de sair de si mesmo. Sem se perder porém, pois ganhará em liberdade e em riqueza.As duas espécies de oração devem cooperar. Existe entre elas uma relação vital de troca. Mutuamente elas se comunicam luz e fecundidade. Na liturgia a alma aprende a mover-se no largo mundo da objetividade espiritual. Se é lícita a comparação, ela adquire essa liberdade de atitude e movimento, que se aprende, na ordem humana e natural num convívio realmente nobre, entre homens formados por uma longa tradição de vida social e de distinção. Adquire ao mesmo tempo essa amplidão de sentimento e limpidez espiritual, que nos dá o contacto familiar das grandes obras d’arte. Na liturgia a alma atinge o “grande estilo” da vida espiritual — coisa que nunca se apreciará em demasia. Por outro lado a Igreja sempre afirma que ao lado da vida litúrgica deve ir a vida de oração particular do indivíduo, na qual a alma se abre em suas necessidades e anseios íntimos. E nisso, também a vida litúrgica recebe calor e colorido próprio.Venha a faltar a piedade pessoal, torne-se a liturgia a forma exclusiva de vida espiritual, e esta poderá transformar-se num frígido formalismo; falte, porém, a liturgia — e então basta a experiência quotidiana para mostrar o que sucederá, e quão desastrosa tal falta se tornará.