quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Liberalismo e protestantismo

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Escreve o filósofo Sidney Silveira em Cosmogonia da Desordem (p.285-286):
Há incompatibilidade absoluta entre uma teoria que prega a autonomia da consciência individual e outra que ressalta a necessidade de fiel obediência à norma externa promulgada por um Magistério – no caso, o da Igreja Católica. À luz desta consideração, arrolemos duas mudanças insufladas por Lutero, que representaram uma quebra no sensus fidei:
  • A sola scriptura, de acordo com a qual a Revelação se fixou de uma vez para sempre nas Sagradas Escrituras, e é oferecida por Deus imediatamente – ou seja, sem mediação de um Magistério eclesiástico – a cada indivíduo, como expressão imutável, congelada, e, sendo assim, não há progresso na expressão do Traditum; ou melhor, não há propriamente tradição alguma. Isto é de todo contrário ao que é, para o católico, a Tradição: esta progride não em si mesma, mas em sua expressão pelo Magistério da Igreja, até o fim dos tempos;
  • O livre exame, de acordo com o qual é o sensus próprio da fé pessoal de cada fiel cristão o que o faz discernir o que é verdadeiro na Revelação, sem necessidade de uma mediação por parte de nenhum Magistério. O indivíduo protestante, portanto, “sente” qual a verdadeira interpretação que a sua consciência individual deve dar às Sagradas Escrituras.
Grandes santos e teólogos já disseram e redisseram, ao longo dos séculos, que todo pecado é uma imagem do pecado original, ou seja: é um anseio de autonomia, de querer construir para si uma felicidade que independa de Deus, além de uma orgulhosa desobediência. Ora, nos dois casos arquitetados por Lutero, há o desejo de livrar-se da autoridade exterior – algo análogo ao que acontece com os liberais de todas as cores, para os quais a relação da consciência individual “autônoma” com a autoridade exterior é, no mínimo, um enorme problema. Por isso, para o liberal a autoridade deve ser mitigada, reduzida ao minimum minimorum, para não “coagir” as liberdades individuais.

Com a simples menção a esses pontos da doutrina que fundou o protestantismo, o leitor minimamente inteligente já percebeu o seguinte: entre o liberalismo – contemplado em algumas das características comuns a todos os liberalismos – e o protestantismo há uma radical semelhança: ambos pregam a “autonomia” do indivíduo
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About Edmundo_Noir
Sommelier de anime, profeta do IApocalipse, missionário do chá e webteólogo. Pedalando entre ruínas.

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