Ensina o filósofo Sidney Silveira, em seu livro Cosmogonia da Desordem (p.201-202):
[...] a metafísica, por ser filosofia primeira, como ensinara Aristóteles, fornece a todas as demais ciências os princípios sem os quais elas sequer poderiam ser chamadas propriamente de “ciências”, a menos que apelemos a uma forçosa analogia. Assim, a matemática não pode desvincular-se do princípio da não-contradição, pressuposto em todas as suas premissas e operações, nem a física desvincular-se do conceito de movimento como trânsito da potência ao ato, nem a biologia, que estuda o ente enquanto possui vida, desvincular-se da noção metafísica de espécie. E isto simplesmente porque a categorização metafísica é formalmente anterior à das demais ciências, que pegam os seus princípios de empréstimo da filosofia primeira para lograr os fins a que orientam os seus estudos.
Decerto há correntes da matemática que tentam negar o estatuto epistemológico do princípio de não-contradição. [...] Decerto há correntes da física que parecem ignorar totalmente o conceito metafísico de movimento, em toda a sua rica amplitude. Decerto há correntes da biologia que parecem ignorar absolutamente o vínculo necessário desta ciência particular com aquela que, por sua natureza, é primeira e universal. Nestes casos, o que acontece é curioso: as ciências naturais, cujos objetos se referem a um universo mais ou menos demarcado, pretendem ultrapassar os limites que as especificam e transformar os seus conceitos em verdades omniabarcantes, como destaca o lósofo Carlos A. Casanova. Neste caso, na prática elas acabam por fazer péssima metafísica. Um exemplo? Alguns físicos quando se põem a falar sobre a origem do universo e acabam por descambar na produção de teses que são um arremedo de metafísica, algo canhestro por partir da formulação de hipóteses que transcendem ao escopo de todas as correntes da física, sem que eles o percebam.
Não vêem estes cientistas, por exemplo, que a física pode especular sobre a origem do universo material, pois aborda o ente na perspectiva do movimento, que, nos entes compostos de matéria e forma, radica na potência da matéria, mas não sobre a origem do ser? E mais: sequer os problemas filosóficos a respeito da proveniência da matéria prima, ou mesmo da energia concentrada que, há 13,9 bilhões de anos, teria gerado o Big Bang são resolvíveis por uma filosofia da natureza, como o é a physis.
A ciência metafísica, portanto, pode e deve imiscuir-se nos problemas de todas as demais ciências, quando estas contrariam os princípios indemonstráveis que lhes servem de esteio. Tal “intromissão” lhe cabe de direito, em virtude da absoluta UNIVERSALIDADE DE SEU OBJETO FORMAL TERMINATIVO e, também, do seu grau de abstração superior ao de todas as demais ciências: o ente enquanto ente, ou o ente na medida em que é o que “tem ser” (habet esse), ou seja, tudo o que há. [...]