Segundo Sidney Silveira:
Pelo fato de a filosofia não ser pura e simplesmente uma técnica, e sim sabedoria na acepção da palavra, os seus praticantes têm real necessidade de ascese, ou seja, de algo semelhante ao que grandes místicos prescreveram ao longo dos séculos, com a diferença de que o místico procura unir-se a Deus num êxtase para cuja consecução precisou esvaziar-se de todos os conteúdos inteligíveis, deixando-se submergir amorosamente n’Aquele que está para além de toda inteligibilidade; ao passo que o filósofo — se o é verdadeiramente — acaba por se unir a Deus por um caminho inverso, no qual de verdade em verdade o esplendor de Deus acaba por manifestar-se à sua inteligência, que então repousa na beatitude desse raio de trevas luminosas, metáfora usada pelo neoplatônico cristão Pseudo Dionísio Aeropagita para referir-se a Deus.Trata-se de dois caminhos que, se bem feitos, levam o homem a entregar-se totalmente ao mistério, conduzem-no ao mesmo fim: ou esvaziando totalmente a inteligência com vistas a unir-se ao Sumo Inteligível, que é paradoxalmente incognoscível para qualquer criatura (trajetória mística); ou preenchendo a inteligência da maneira correta, a ponto de escalar a ordem das verdades e chegar, por necessidade racional, à Suma Verdade (trajetória filosófico-metafísica). No caso do místico, o não-saber é a supra-ciência adquirida na união amorosa com Deus; no caso do filósofo, o saber é tão somente uma senda maravilhosa na qual a Causa Primeira refulge na ordem criada, e então lhe cabe apenas silenciar a alma e adorar a Deus.
