Em seu livro Tecnofeudalismo (p.86-87), Yanis Varoufakis descreve a Amazon como o feudo digital por excelência:
“Entre no amazon.com e você sairá do capitalismo. Apesar de todas as compras e vendas que acontecem lá, você entrou em um reino que não pode ser considerado um mercado, nem mesmo digital”. Quando digo isso às pessoas, o que faço frequentemente em palestras e debates, elas olham para mim como olhariam para um louco. Mas assim que começo a explicar o que quero dizer, o medo delas sobre minha sanidade logo se transforma em medo para todos nós.
Imagine a seguinte cena tirada de um livro de histórias de ficção científica. Você é transportado para uma cidade cheia de pessoas cuidando de seus negócios, negociando gadgets, roupas, sapatos, livros, músicas, jogos e filmes. No início, tudo parece normal. Até você começar a notar algo estranho. Acontece que todas as lojas, na verdade todos os edifícios, pertencem a um sujeito chamado Jeff. Ele pode não ser dono das fábricas que produzem os produtos vendidos em suas lojas, mas possui um algoritmo que cobra uma parte por cada venda e decide o que pode ser vendido e o que não pode.
Se isso fosse tudo, a cena evocaria um velho faroeste em que um caubói solitário chega à cidade e descobre que um homem forte e rechonchudo é dono do bar, do supermercado, dos correios, da ferrovia, do banco e, naturalmente, do xerife. Exceto que isso não é tudo. Jeff possui mais do que lojas e prédios públicos. Ele também é dono da terra em que você anda, do banco em que você se senta e até do ar que você respira. Na verdade, nesta cidade estranha, tudo o que você vê (e não vê) é regulado pelo algoritmo de Jeff: você e eu podemos estar andando um ao lado do outro, nossos olhos treinados na mesma direção, mas a visão que nos é fornecida pelo algoritmo é totalmente personalizado, cuidadosamente selecionado de acordo com as prioridades de Jeff. Todos que navegam pela amazon.com – exceto Jeff –estão vagando em um isolamento construído por algoritmos.
Esta não é uma cidade mercantil. Não é sequer uma forma de mercado digital hipercapitalista. Mesmo os mercados mais feios são locais de encontro onde as pessoas podem interagir e trocar informações com razoável liberdade. Na verdade, é ainda pior do que um mercado totalmente monopolizado – lá, pelo menos, os compradores podem falar entre si, formar associações, talvez organizar um boicote do consumidor para forçar o monopolista a reduzir um preço ou a melhorar uma qualidade. Não é assim no reino de Jeff, onde tudo e todos são intermediados não pela mão invisível e desinteressada do mercado, mas por um algoritmo que trabalha para os resultados financeiros de Jeff e dança exclusivamente de acordo com sua música.
[...] 'Se não é um mercado capitalista, em que, pelo amor de Deus, estamos entrando quando entramos na amazon.com?' me perguntou há alguns anos, um estudante da Universidade do Texas.
“Uma espécie de feudo digital”, respondi instintivamente. “Um capital pós capitalista, cujas raízes históricas permanecem na Europa feudal, mas cuja integridade é hoje mantida por um tipo futurista e distópico de capital baseado nas nuvens.” Desde então, passei a acreditar que era uma resposta razoavelmente precisa para uma pergunta difícil.