domingo, 27 de julho de 2025

O caráter racional da liturgia

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Na oração litúrgica, o pensamento deve prevalecer sobre o sentimento, ensina Romano Guardini¹: 
A liturgia mostra-nos antes de mais nada que a vida de oração da coletividade tem por suporte o pensamento. Suas orações são dominadas e vivificadas pelo dogma. Quem ainda não conhece a oração litúrgica, toma-a muitas vezes por engenhosas fórmulas doutrinárias da teologia, até perceber a abundância de emoção interior dessas fórmulas cristalinas. É o que se dá com as orações das missas de domingo. Onde o fluxo da oração litúrgica se expande com maior riqueza, ele é sempre dirigido e dominado por uma formulação clara e límpida. A missa e o breviário compõem-se de trechos das Escrituras e das obras dos Padres da Igreja e nos obrigam a um constante trabalho de pensamento. Tais leituras são muitas vezes intercaladas de elementos de oração de espécie particular (responsórios), durante os quais o que foi lido e ouvido tem ocasião de ressoar na alma e de descer ao coração. A lex orandi, a liturgia, é ao mesmo tempo lex credendi, lei da fé, por intermédio das velhas sentenças. Está totalmente penetrada do tesouro de verdade da revelação.

Isto não quer dizer que coração e sentimento não tenham importância na vida de oração. A oração é por certo “uma elevação do sentimento a Deus”. Mas o sentimento deve ser guiado, amparado, clarificado pelo pensamento. Há casos particulares em que é possível a fixação e a permanência num movimento elementar do coração, nascido espontaneamente ou posto em evidência por um impulso feliz. Todavia um tipo de oração que se repete muitas vezes deve levar em conta a diferença dos estados d’alma, pois um dia nunca é igual a outro. Se o conteúdo desse tipo de oração é de ordem sentimental, então ele levará a marca dum estado de espirito particular, pois de todos os nossos elementos psíquicos é o sentimento o que mais tende a individualizar-se. Uma oração como essa deve portanto estar até certo ponto de acordo com o estado d'alma de onde ela nasceu primitivamente, e o estado d’alma atual daquele que ora. Senão ela, ou não é utilizável, ou acaba por falsear o sentimento. O que se evidencia quando nos lembramos que ela deve servir aos temperamentos mais diversos.

Para que uma oração coletiva possa ser útil, é necessário que ela se estruture num pensamento dogmático límpido e rico. Somente desse modo poderá servir a uma comunidade composta de temperamentos variados e na qual vibram as correntes emotivas mais diversas
¹O Espírito da Liturgia (p.27-29):

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About Edmundo_Noir
Sommelier de anime, profeta do IApocalipse, missionário do chá e webteólogo. Pedalando entre ruínas.

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